28 de março de 2024
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FUNDERSUL

Ex-dirigente da Acrissul quer acabar com investimentos nas cidades

Fundo recolhe de todas as operações econômicas, mas Chico Maia é contra beneficiar áreas urbanas

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O ex-presidente da Associação dos Criadores de Mato Grosso do Sul (Acrissul), Chico Maia, é suspeito de criar um cenário de desqualificação do Fundo Estadual de Desenvolvimento do Sistema Rodoviário de Mato Grosso do Sul (Fundersul). Pecuarista e publicitário, Maia teria mandado espalhar outdoors com apelos negativos contra o Fundo por várias regiões do Estado.

Conhecido por seu ramo publicitário especializado em mídias visuais, Maia afixou anúncios com letreiros atacando furiosamente o Fundersul. Um dos objetivos que se demonstram é impedir que o Fundo amplie o alcance dos seus benefícios, estendendo investimentos até às áreas urbanas. Um dos outdoors diz: “Fundersul não! Srs deputados: o aumento desse tributo é uma vergonha! ”.

Em conta pessoal na rede social, Maia convoca os ruralistas do estado à investir contra uma proposta governamental que altera as faixas contributivas e potencializa a arrecadação do Fundo para ampliar ainda mais os benefícios à população. “A vigilância tem que ser permanente. Num momento de dificuldade geral, o governo de MS, ao invés de cortar os custos, aumenta os gastos e quer tirar mais tiras do couro do produtor rural. Vamos todos na [sic] Assembleia contra essa vergonha! ”, escreveu.

O ex-presidente da Acrissul, Chico Maia.  Foto: Reprodução 

O MS Notícias entrou em contato com Maia e ele confirmou ter sido ele quem mandou fazer e afixar os outdoors em Campo Grande. “Aqui na capital fui eu. Mas no interior foram os colegas. Nós somos contra o aumento do Fundersul”, reforçou o ex-presidente da Acrissul. Ainda segundo Maia, o movimento não tem liderança. “Nesse movimento todos somos líderes”, enfatizou. “Vamos invadir a Assembleia”, avisou.

TODOS CONTRIBUEM 

Maia justifica ser contrário a investimentos do Fundersul nas cidades alegando que os recursos são decorrentes da contribuição dos ruralistas. Esta argumentação se desmancha diante da verdade. Ele e toda a classe produtora sabem que os ruralistas não são os únicos contribuintes. Toda a sociedade está na pauta de contribuições. Um exemplo dos mais claro e objetivo: todas as vezes que alguém abastece seu veículo em Mato Grosso do Sul, nesta operação uma fatia do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) cai na conta do Fundersul. E assim ocorre em outras operações na cadeia econômica estadual.

Com isso, 78% do valor arrecadado anualmente por meio do Fundersul são aplicados em obras de infraestrutura viária. As economias do campo e da cidade rateiam praticamente em partes iguais as contribuições transformadas em receita do Fundo – em torno de R$ 370 por parte das operações com produtos agropecuários e de R$ 360 milhões dos outros setores produtivos.  São investimentos rurais e urbanos em pavimentação e recuperação de rodovias, construção de pontes e recapeamento nas 79 cidades de Mato Grosso do Sul, inclusive a capital, Campo Grande, aonde Maia espalhou outdoors querendo acabar com a matriz desses benefícios.

EQUÍVOCOS E RAZÕES

Os apelos de Maia. Foto: Adriano Moretto.

Os apelos de Maia, entretanto, não escondem as contradições e equívocos que marcam a sua trajetória classista e política. Ele foi vereador em Campo Grande nos anos 1980 e depois se consolidou no ramo empresarial abrindo uma empresa de propaganda e publicidade. Durante largo período a sua agência abocanhava as mais gordas fatias das mídias oficiais do poder público.

Com o aumento dos concorrentes, a competitividade do mercado e os critérios de seleção adotados principalmente pelos governos, a agência de Maia perdeu a liderança no setor e ele viu-se obrigado a buscar outra opção. Seguiu uma solução de origem familiar e mergulhou na agenda ruralista, abrindo espaço para conquistar a presidência da Associação dos Criadores (Acrissul), que conduziu em dois mandatos.

Ele se levantou contra o Fundersul num instante em que os investimentos na manutenção e na ampliação da malha viária ganharam um impulso sem precedentes no Estado. O Fundersul, criado e implantado em 1999 pelo governo de Zeca do PT, começou socorrendo produtores e populações rurais que passaram décadas com problemas graves de escoamento, castigados por estradas precárias e pela ausência de ligações rodoviárias alternativas.

Todavia, nas duas décadas de existência, sobretudo nos últimos cinco anos, com características e finalidades redimensionadas, o Fundo não ficou só na modernização e na revitalização da malha rodoviária estadual. Em atenção às fontes de contribuição de economias rurais e urbanas passou também a atender necessidades viárias das cidades. Hoje, os 79 municípios sul-mato-grossenses contam com investimentos nas vicinais (estradas municipais), pontes, asfalto e outras intervenções de melhoria da malha urbana.

 Com 3 mil quilômetros de estradas vicinais já feitos, o Governo do Estado executa a recuperação da MS-215, que liga Pedro Gomes a Alto Araguaia (MT), com recursos do Fundersul. Foto: Edemir Rodrigues.  

Ao ser criado, o Fundersul definia que sua receita seria constituída mediante contribuição cobrada por operações internas com gado (bovino, bufalino, asinino e equino), produtos agrícolas e alimentos resultantes do abate de bovinos e bufalinos. Diante do êxito de uma medida providencial para a cadeia produtiva e emergencial na economia dos municípios, a medida tornou-se mais abrangente e incluiu outros segmentos econômicos em sua rede de contribuintes. Com isso, o Governo do Estado quer potencializar o alcance do Fundersul.

Na proposta submetida à apreciação da Assembleia Legislativa, o Executivo cogita ampliar em até 50% a contribuição do segmento agropecuário. A previsão para 2019 era de uma receita de R$ 380 milhões. Prefeitos e lideranças municipalistas afiançam que, com um Fundersul mais forte e financeiramente mais oxigenado, toda a cadeia produtiva do campo e da cidade sairá ganhando.

Entre as obras que receberam recursos está a pavimentação de 42 km da rodovia MS-379, na cidade de Laguna Caarapã, além de mais 32 km da MS-223, em trecho que liga Costa Rica a Figueirão e 18k da MS-450, assim como encascalhamento de 65 km das rodovias MS-228 e MS-423, em Corumbá. Foto: Edemir Rodrigues.  

No entanto, esta não é a realidade vislumbrada pelo ex-presidente da Acrissul. Ele já se havia insurgido contra o governo, tomando o custo do óleo diesel como argumento para atacar o Fundersul e exigir que as operações com combustíveis também entrassem na pauta de contribuições.

Na esteira dessas investidas, Chico Maia plantou as sementes de seu projeto político e lançou-se candidato ao Senado em 2018. Era um projeto pessoal, sem alicerces políticos consistentes, fincado no ambiente ruralista e desprovido da necessária capilaridade social e popular para avançar. Assim, a candidatura esvaziou-se e ele foi obrigado a desistir, deixando na mão os colegas produtores que tinham alguma expectativa em ter com sua candidatura uma válvula de escape para suas esperanças.

“PROPAGANDA ENGANOSA”

 A cruzada ruralista de Chico Maia contra o Fundersul sofre questionamentos da própria classe, em vista de contradições que o colocaram sobre um terreno pedregoso dentro “de casa”, na Acrissul. Foi o que denunciaram órgãos de imprensa como o Capital News e o Rural Centro em 2011, quando o publicitário dos outdoors “Maia Aqui, Maia Acolá” fazia sua campanha pela reeleição na presidência da entidade.

Com o título “Ex-presidente da Acrissul acusa Chico Maia de propaganda enganosa”, o jornal eletrônico Rural Centro publicou uma charge do pecuarista com esta notícia: “O ex-presidente da Acrissul (Associação dos Criadores de Mato Grosso do Sul), Laucídio Coelho Neto, subiu na tribuna da Acrissul nesta segunda-feira (27/06/2011), para tecer críticas ao atual mandato de Francisco Maia. As acusações são de uso indevido de recursos da associação e propaganda enganosa”. Maia contestou a notícia e contra-atacou o desafeto, mas nem com sua reeleição conseguiu apagar esse arranhão sapecado em sua imagem por seus arroubos na propaganda visual.