19 de abril de 2024
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General Mourão

Coronel da reserva acusa general Mourão de favorecer empresa em contrato do Exército

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Segundo apuração do jornal El País, o candidato à vice-presidência da chapa de Jair Bolsonaro, general Antonio Hamilton Mourão, é acusado pelo coronel, também da reserva, Rubens Pierrotti Junior por favorecer uma empresa espanhola no contrato de um Simulador de Apoio de Fogo (SAFO) do Exército Brasileiro.

A história do projeto da Tecnobit, pensado para baratear parte dos treinamentos e inaugurado em 2016, foi descoberta pela reportagem do jornal espanhol através de um dossiê de 1.300 páginas conseguido com a BrasilLeaks, plataforma parecida com o WikiLeaks. Um dos personagens, que quis falar, é Pierrotti, mencionado nos documentos.

Ao longo do desenvolvimento do simulador, a Tecnobit recebeu um total de oito reprovações do corpo técnico do Exército de etapas que eram dadas como concluídas. Mais de dez oficiais foram afastados ou pediram para deixar o projeto. Pierrotti foi um deles: ele pediu seu afastamento em março de 2014, após ele mesmo reprovar sete vezes o simulador. Depois de deixar o projeto, Pierrotti comandou um quartel paraquedista no Rio de Janeiro e passou para a reserva em setembro de 2016, após quase 32 anos de serviço. Hoje ele atua como advogado. Já o general Mourão, que a partir de 2012 passou a se envolver mais na coordenação do projeto, fazendo a interface entre o Exército e a Tecnobit, ficou conhecido por suas manifestações a favor de uma intervenção militar como forma de resolver a crise política brasileira. Desde que entrou na reserva, em fevereiro deste ano, vem se envolvendo com a política e promovendo militares para eleições de 2018.

Pierrotti conta que as conversas e os problemas sobre o projeto SAFO começaram no primeiro semestre de 2010, meses antes da contratação da empresa que o desenvolveria. Um processo que, segundo garante, foi “moldado” para favorecer a Tecnobit. “A Diretoria de Educação Superior Militar, chefiada na época pelo general Marco Aurélio Costa Vieira e subordinada ao Departamento de Educação e Cultura do Exército, resolveu encampar essa ideia e comprar o simulador da Tecnobit a qualquer custo”. Pierrotti narra que antes mesmo de a licitação ser aberta, “todo mundo já sabia” que haveria “uma missão para a Espanha”. Outra fonte próxima ao projeto, que não quis se identificar, confirmou o conhecimento prévio da empresa que ganharia o contrato e contou que o então chefe do Departamento, o general Rui Monarca da Silveira, chefe de Marco Aurélio, “deu total apoio” à empreitada.

Ainda pela apuração do El País, o caminho começou a ser traçado em março de 2010, quando o Exército encomendou um estudo para justificar a necessidade de um simulador de apoio de fogo. Nele, é mencionado como exemplo somente o simulador do Exército espanhol, projetado pela Tecnobit e inaugurado em 2002 com o nome de SIMACA (Simulador de Artilharia de Campanha). O documento ainda revela que foi feita uma visita de oficiais brasileiros à Academia de Artilharia do Exército da Espanha, o que “acrescentou algumas ideias-força relevantes que fazem parte da solução proposta” (veja na imagem ao lado). Não menciona nenhuma visita a outro simulador desenvolvido por outra empresa.

Com o estudo pronto, a portaria que oficializava a necessidade de um simulador para o Brasil fora publicada poucos meses depois, já em junho de 2010. O organismo responsável por promover uma licitação é a Comissão do Exército Brasileiro em Washington (CEBW), que fez então uma primeira tentativa em agosto, segundo conta Pierrotti. Três empresas, todas espanholas, incluindo a Tecnobit, teriam participado do processo, segundo o coronel, que garante que o edital dificultou a participação de outras companhias, o que teria gerado suspeitas de fraude e anulado todo o processo. Não há rastros documentais sobre a licitação em si, mas portarias publicadas pelo comando do Exército autorizavam a viagem de oficiais ao exterior para acompanhar o processo licitatório. Cerca de um mês e meio depois, uma nova licitação foi aberta e cinco empresas concorreram, incluindo, novamente, a Tecnobit. “Empresas com reconhecida capacidade tecnológica ficaram de fora”, conta Pierrotti. Ele menciona o ranking Simulation and Training Companies feito pela revista Military Simulation & Training Magazine, que lista anualmente as melhores empresas no ramo de tecnologia militar. A Tecnobit não estava no ranking em 2010, quando ganhou a licitação brasileira, nem no ano anterior, 2009, ou no ano seguinte, 2011.

Como um ranking não tem nenhuma interferência em uma licitação, a Tecnobit se saiu vencedora do processo. Em 22 de outubro de 2010, o contrato entre o Exército e a empresa espanhola era assinado, com a promessa de entregar um simulador em Resende (RJ) e outro em Santa Maria (RS), além de equipamentos como biblioteca, e o estabelecimento de uma filial brasileira da Tecnobit até outubro de 2013. Tudo isso a custo de 13,98 milhões de euros — pela cotação ao longo de outubro de 2010, esta cifra equivalia a cerca de 32 milhões de reais.

Por meio de nota, o Exército afirmou ao EL PAÍS que a decisão para a aquisição do simulador partiu da necessidade de adestramento das tropas por meios “auxiliares de instrução que minorem gastos e otimizem o emprego judicioso dos recurso públicos”. Também disse que foram feitos estudos sobre a necessidade do simulador e que hoje ele “vem cumprindo de forma satisfatória os objetivos para os quais foi desenvolvido”.