24 de abril de 2024
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Mulher espancada e perseguida pelo marido des

"As pessoas preferem não se meter mesmo que isso signifique salvar uma vida'

Bruna foi espancada de casa até a rua e, mesmo caída no asfalto, ouviu quando um grupo de amigos, ao invés de socorrê-la, disse "Isso é briga de casal, melhor não se meter".

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Oze anos após a aprovação da lei Maria da Penha, uma das vítimas de violência doméstica que quase foi assassinada pelo ex-marido em Campo Grande, MS, tem algo a comemorar nessa data: Ela sobreviveu, se recuperou, o agressor está preso, e hoje ela trabalha ajudando outras mulheres vítimas de agressões dentro de casa.

Bruna Oliveira viveu um relacionamento abusivo por 7 anos. No começo, o homem não aparentava ser violento, mas aos poucos, passou a levantar a voz em qualquer conversa, usar palavras agressivas, xingamentos, ameaças, até começar a bater na esposa: "Era um tapinha na mão, um tapa no braço, um empurrão. Foi assim que tudo começou, até ele tentar me matar", relata.

Ela, porém, não entendia que isso era de fato, violência. Ela pensava que era uma questão de personalidade: "Ele sempre disse que tinha um comportamento explosivo, e eu achava que aquele era o jeito dele mesmo e que ele sempre poderia trabalhar esse comportamento dele. Quando percebi, eu já estava levando tapa, soco, chute", conta.

A vida dela mudou no dia 4 de novembro do ano passado, quando ela trabalhava em um supermercado. Depois de se separar do marido e achar que estava livre das agressões, uma noite, enquanto dormia profundamente, Bruna acordou com a dor das agressões:

"No dia que ele tentou me matar, ele entrou na minha casa e enquanto eu ainda dormia, ele começou a me agredir com o capacete, batia com ele na minha cabeça. Eu estava desorientada, acordei rápido e no meio da madrugada, eu não me dei conta do que estava acontecendo. Eu não entendia e não conseguia perguntar por que ele estava me batendo. "

Bruna conta que levantou da cama do jeito que estava e correu até a rua, para pedir ajuda: "Eu saí correndo de camisola mesmo. Antes de conseguir sair, ele encontrou um pé de cabra e com um golpe só, quebrou dois ossos do meu braço. Eu fugi com o braço quebrado, aberto, e a dor era imensa", relata.

"Eu pedia socorro mas ninguém ajudou"

Na rua, com a dor forte no braço e com cortes na cabeça, onde tinha sido agredida com o capacete, ela corria desorientada, apenas pensando em fugir: "Várias vezes enquanto eu fugia, eu corria e tinha a forte impressão de que aquilo era um pesadelo. O que me fazia entender que não, era a dor que eu sentia com o braço quebrado. Levei mais de 20 pontos na cabeça, eram 3 cortes enormes. Eu estava banhada em sangue e não tinha assim, muita noção de que aquilo realmente estava acontecendo".

Já na rua, correndo, Bruna conta que gritava e pedia ajuda, mas não houve resposta: "Eu pedia socorro mas ninguém ajudou, ninguém saiu pra fora, não abriram uma janela, nada". 

Omissão que poderia custar uma vida

O pesadelo de Bruna ainda estava longe de acabar. Quando ela saiu de casa, o ex-marido foi atrás dela pilotando uma motocicleta:

"Ele pegou a moto e ficou me perseguindo pelas ruas. Eu estava de camisola, com o braço aberto, deixando sangue no muro das casas por onde passava. Ele passou por mim de moto e me atropelou. Aí nesse momento eu caí no chão, e ele começou a chutar a minha cabeça".

Ela conta que nesse momento, quando estava caída na rua, vislumbrou a esperança de ser salva: "Eu estava sofrendo tanto que desisti, e fechei o olho. Aí quando eu fechei o olho e abri de novo, tinha 3 pessoas em cima de mim, e tinha um outro rapaz que tava empurrado ele. Então, ele começou a falar para as pessoas que eu estava traindo ele".

Essas pessoas que estavam lá pra me ajudar começaram a falar assim, 'que era briga de marido e mulher, melhor não se meter'. E aí ele aproveitou esse momento, subiu na moto e fugiu. E essas pessoas que estavam discutindo, entraram no carro e foram embora. Eu fiquei ali sozinha".

Quando foi deixada sozinha, ela permaneceu na rua deitada, sem forças, achando que o agressor voltaria. Foi nesse momento que começou a ouvir uma voz, que a encorajava a levantar, mas ela não via de quem era porque seus óculos foram quebrados durante a agressão e os olhos estavam inchados. Porém, mesmo sem condições de identificar de quem era a voz, ela a seguiu:

"Fui seguindo a voz do homem, e ele entrou em um terreno baldio. Eu estava desesperada, em choque, em nenhum momento pensei que poderia ser perigoso, apenas confiei porque não tinha outra opção. Fiquei escondida lá no fundo do terreno, deitada, esperando a polícia, e o homem ficou na rua, cuidando se ele voltaria e esperando até que o socorro chegasse".

 agressor foi preso horas depois, dormindo na casa de um parente. Ele permanece preso, aguardando sentença, e responde por feminicídio na forma tentada. A pena prevista para feminicídio é de 12 a 30 anos de prisão, mas neste caso, pode ser reduzida por ter sido tentativa.

Após a chegada do socorro, Bruna foi levada para o hospital e ficou quatro dias internada para cuidar dos ferimentos.

"Em briga de marido e mulher, se mete a colher, sim!"

Bruna deixou o emprego no supermercado e hoje trabalha na secretaria de políticas públicas para a mulher de Campo Grande, num projeto que fala sobre violência doméstica:

"Essa é a nossa luta. Como isso acontece todos os dias mesmo a gente falando sobre esse assunto o tempo todo na mídia, nas redes sociais? Muitos homens tem a certeza da impunidade, que nada vai acontecer. Isso de o homem achar que pode tudo é o que me assusta mais. Uma pessoa achar que tem poder sobre a outra a esse ponto". 

Para ela, o fato de não oferecer socorro a uma mulher nessa situação, é cultural, e precisa ser combatido:

"As pessoas precisam entender que em briga de marido e mulher se mete a colher sim, mulheres que estão nessa situação precisam muito de ajuda. As pessoas preferem não se meter mesmo que isso signifique salvar uma vida". comenta.

Agora, a "Bruna renascida" como ela gosta de dizer, trabalha com a conscientização de mulheres e o encorajamento, especialmente para que a denúncia seja feita antes que algo de mais grave aconteça. De acordo com a secretaria de justiça de Mato Grosso do Sul, de 01 de janeiro a 31 de julho, foram registrados 21 casos de feminicídio no estado.