24 de abril de 2024
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Ditadura militar no Brasil: o golpe de ontem e seus defensores de hoje

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Por Juliana Passos de Castro* 

O golpe de 1964, que instalou uma ditadura militar no Brasil por 21 anos, foi legitimado, à época, como uma ação necessária à manutenção da democracia. Um dos resultados do regime de exceção, então imposto ao país, foi o conjunto de violações aos direitos humanos praticadas pelo Estado. Embora seja evidente a contradição entre este fato e o que se espera de um governo que se afirma democrático, atualmente, ainda há vozes em defesa deste período repressivo.

Os atos provenientes dos poderes da república que tentaram conferir legitimidade ao golpe militar de 1964 foram muitos.

No livro Tanques e togas: o STF e a ditadura militar o autor, Felipe Recondo, relata que o presidente do Supremo Tribunal Federal, o ministro Ribeiro da Costa, estava presente quando o presidente da câmara dos deputados, Ranieri Mazzilli, tomou posse como presidente da república, momento em que chegou ao fim o governo de João Goulart, e foi consumado o golpe no país. O ministro pronunciou-se publicamente sobre este fato, afirmando que “o desafio feito à democracia foi respondido vigorosamente”. Após a eleição de Castelo Branco pelo Congresso Nacional, Ribeiro da Costa manifestou-se novamente, dessa vez em defesa do novo presidente, afirmando que “sem ele a democracia vai embora. É imprescindível que todos nós democratas emprestemos apoio ao presidente Castelo Branco”[1].

Também houve empenho em conferir legitimidade ao golpe, do ponto de vista legal. Para tal fim foram expedidos vários Atos Institucionais. O Ato Institucional (AI) 01, de 09 de abril de 1964, foi claro ao tentar justificar as restrições constitucionais previstas em seu texto, no poder constituinte e no interesse do povo e da nação. Dessa forma, ao mesmo tempo em que ampliou consideravelmente os poderes do presidente da república, instituiu eleições indiretas, suspendeu direitos fundamentais dos servidores públicos e previu a cassação de direitos políticos sem possibilidade de revisão por parte do judiciário, também afirmou que “a revolução se distingue de outros movimentos armados pelo fato de que nela se traduz não o interesse e a vontade de um grupo, mas o interesse e a vontade da Nação. A revolução vitoriosa se investe no exercício do Poder Constituinte”. (…) Em nome da revolução vitoriosa, e no intuito de consolidar a sua vitória, de maneira a assegurar a realização dos seus objetivos e garantir ao País um governo capaz de atender aos anseios do povo brasileiro, o Comando Supremo da Revolução, representado pelos Comandantes-em-Chefe do Exército, da Marinha e da Aeronáutica resolve editar o seguinte Ato Institucional[2].

Os demais institucionais seguiram a mesma tendência do primeiro. O AI 05, que dentre outras alterações constitucionais, suspendeu a garantia de habeas corpus buscou justificar-se na defesa de uma “ordem democrática, baseada na liberdade, no respeito à dignidade da pessoa humana[3]”.

O Ato institucional 14, também lembrado por Felipe Recondo, no livro anteriormente citado, fez referência ao bem estar do povo quando instituiu a pena de morte e a prisão perpétua, dentre outras hipóteses, nos casos de “guerra psicológica adversa, ou revolucionária ou subversiva”[4].

Decorridos 54 anos do golpe, há muitas provas de que o período relativo à ditadura militar não teve qualquer compromisso com valores democráticos, e de respeito aos direitos fundamentais.

Ainda que tardiamente, em diversas ocasiões, o Brasil reconheceu, oficialmente, sua responsabilidade pelas violações aos direitos humanos praticadas em nome do Estado no período ditatorial como, mortes, desparecimentos, torturas e violência sexual. A Lei n. 9140 de 1995[5], o livro Direito à verdade e à memória: Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos[6], os relatórios da Comissão Nacional da Verdade, e das diversas Comissões Estaduais da Verdade instituídas no país, trazem relatos, provas e detalhes sobre os abusos aos direitos humanos, praticados nos anos de chumbo. Importante também é o papel da Comissão de Anistia, ao analisar os requerimentos de anistia e pedidos de indenização dos perseguidos políticos. Em várias sessões de julgamento, a Comissão pediu desculpas às vítimas do regime, reconhecendo, formalmente, a responsabilidade estatal pelos danos causados no contexto da ditadura.