19 de abril de 2024
Campo Grande 22ºC

‘Meu pai é minha heroína’

Pai travesti é exemplo de amor e respeito para jovem

O pai de Luana fez a transição quando ela tinha 12 anos, e depois de um longo processo de aceitação por parte da mãe, hoje as três são grandes amigas e tentam se proteger do preconceito.

A- A+

Luana Hamana é uma jovem de 25 anos que mora em Campo Grande, MS. Estudante de veterinária, ela conta que sempre teve todo o apoio do pai para estudar e seguir a carreira que desejasse, para levar a vida como quisesse. Uma lição que o pai, Renata Hamana, conhece bem:

“Meu pai assumiu que era gay quando pediu o divórcio para namorar outro homem. Eu tinha 12 anos. Foi muito difícil, minha mãe não aceitou no começo, e não gostava que eu convivesse com ele. Foi uma época complicada” conta Luana.

Renata lembra daquela fase como um momento doloroso, por todo o contexto da transição: “Eu tinha um casamento com a Joana, trabalhava no aeroporto, tinha uma família aparentemente normal. Mas no fundo sempre senti que havia algo errado, e não entedia o que era, até tomar a decisão de assumir o desejo que sempre viveu em mim e eu insistia em negar”, relata.

Ao comunicar a decisão para a esposa, Renata – que até então era Renato – estava preparada para uma reação negativa, mas tinha muito medo de viver longe da filha: “Quando nos casamos eu incentivei a Joana a estudar e trabalhar, ela trabalhava o dia todo e eu trabalhava à noite, então era eu que cuidava da Luana. Sofri muito longe da minha filha, era eu que ia nas reuniões de escola, carregava ela no colo, ela sempre foi tudo pra mim”. 

Luana conta que após a separação, a mãe não gostava que ela convivesse com o pai. Aos 16 anos ela começou a trabalhar como menor aprendiz para poder ter o próprio dinheiro e estreitar esse contato: “Assim que pude eu comprei um celular pra falar mais com o meu pai, e ele ia me buscar no serviço, na faculdade, a gente ia comer espetinho, eu sempre tentei ficar próxima dele o máximo possível”, relembra.

“Meu pai é minha heroína”

Para a jovem, a opção afetiva do pai nunca interferiu na imagem que ela tinha dele: “Eu só enxergava o amor, para mim nunca fez diferença”.

Renata é travesti, e hoje, 13 anos depois, Luana fala do pai com a admiração de quem acompanhou essa história de superação pessoal: “Meu pai é minha heroína, ele passou e ainda passa por muita coisa pra poder ser quem é”.

Joana, a mãe de Luana, hoje tem uma postura muito diferente com relação ao ex-marido: “Eu demorei um tempo para aceitar, cheguei a ficar depressiva, mas depois de um tempo vi que aquilo não era para mim e fui cuidar da minha vida, estudar e seguir em frente. Hoje sou pedagoga e estou me especializando em educação especial. A diferença é para ser compreendida”, conta.

Renata é cabeleireira. Quando fez a transição, a primeira pessoa que lhe apoiou foi seu pai:

“Eu passei muito tempo da minha vida escondendo isso, calada, revelei com 42 anos. Fiquei doente e quando saí do hospital, meu pai me disse ‘Pare de sofrer, pare de chorar, vá viver sua vida sendo quem você é’ e isso fez toda a diferença. Hoje ele é idoso e sou eu que cuido dele. O apoio ajuda muito”.

Família em perfeita em harmonia

“Essa foto foi no aniversário da minha mãe, foi meu pai que fez o bolo! Hoje elas são amigas, até demais!” conta Luana, rindo. 

Para essa família, o amor é o que importa, realmente:

“Tive três casamentos, um com a mãe da Luana e os outros dois com homens, em nenhum fui tão feliz como fui com ela. Ficamos juntos por 18 anos, tivemos a Luana e no nosso casamento sempre fomos grandes amigos, é bom demais poder manter essa relação positiva hoje para que a nossa filha seja feliz”, conta Renata.

Sobre a amizade entre Renata e Joana, para o pai, a relação é simples: “Nossa prioridade é ela. É nossa única filha. Hoje acabou aquela briga, a mãe dela está mais tranquila, nós brigamos de vez em quando como toda família, mas evitamos desentendimentos. A gente troca até vestido!” diverte-se.

“O preconceito é o que machuca”

“Eu sou muito quieta no meu canto, tenho essa postura porque prefiro. O preconceito é o que machuca. Algumas pessoas me veem com cabelo comprido, voz feminina, mas preferem me tratar por ‘ele’ sabendo que isso pode me ofender. Fico chateada, mas eu não ligo porque minha família, que é o que realmente importa, me apoia” conta.

Joana superou o que sentia e hoje tenta proteger a família do julgamento: “A gente vive em um mundo que tem muito preconceito pra tanta coisa, mas não podemos deixar isso abalar a gente. O amor e o respeito tem que prevalecer”.

“Tem tanta gente por aí sofrendo, sem poder se assumir, a família vira as costas, as pessoas precisam de apoio, a gente tem que dar esse exemplo de amor! Lá em casa no almoço de domingo fica eu, meu ex-marido, meu namorado e minha filha, e todos vivemos em paz”.

“Pai tem que estar presente”

Para o dia dos pais, a família já prepara a comemoração. Joana diz que não tem do que reclamar, porque Renata sempre foi um pai muito presente: “Eu faço meu cabelo com ela, ela cuida muito bem da minha filha, sempre cuidou. Não importa o nome que ele use, se é Renato ou Renata, ele é o pai dela e pai tem que estar presente, pai tem que cuidar do filho”.

Renata é puro orgulho quando fala da filha: “A Luana é tudo pra mim, eu faço qualquer coisa pela minha filha. Meu sonho é vê-la formada e realizada, ela é minha grande parceira. Nós somos almas gêmeas”, emociona-se.

Luana diz que vai passar o dia dos pais no clima bom que a família se esforçou para criar e hoje busca manter:

“É como toda família deveria passar, com respeito, em paz, se adaptando para que o amor prevaleça sempre”, finaliza.