25 de abril de 2024
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ENTREVISTA

Nancy Cristaldo Salinas: a dança empoderando a afirmação humana

Diretora do maior grupo de balé folclórico da AL fala da vitoriosa trajetória internacional de sua companhia

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Em abril deste ano, na cidade de Las Vegas, em Nevada, os anfitriões normaericanos se renderam, entre encantados e surpresos, diante da beleza singular do Ballet Folklorico Iberoamericano do Paraguay. Era apenas uma das dezenas de atrações do Las Vegas Carnaval Internacional Mardi Gras, evento criado para promover manifestações da arte e da cultura nos continentes, especialmente da América Latina.

O grande publico que foi ao carnaval nas terras do Tio Sam ficou cativado com as moças e rapazes do corpo de balé que tem o maior número de viagens, prêmios e participações em eventos internacionais na América Latina. Reações igualmente empolgadas já foram manifestadas por diversos povos e línguas em 27 países, ao longo de 41 turnês que a companhia contabiliza há mais de 20 anos.

Um dos principais segredos da performance e do fôlego impressionantes do grupo não é difícil de descubrir. Só é preciso conhecer o trabalho da diretora e coreógrafa Nancy Cristaldo Salinas. Com a dança como sua segunda pele, ela cuida detalhe a detalhe do Ballet. É quem, com entrega espartana, faz sair de dentro do Paraguai e da América Latina a respiração cultural do continente.

O jornalista Edson Moraes, um fã confesso do Ballet Folklorico do Paraguay e quem há varios anos testemunha a dedicação da professora Nancy Cristaldo Salinas, que nesta quarta-feira, 16, lhe concedeu a entrevista a seguir.

Balé que tem o maior número de viagens, prêmios e participações em eventos internacionais na América Latina

PERGUNTA – Há quanto tempo você está no Ballet Folklórico Iberoamericano?

RESPOSTA – Como diretora e coreógrafa desde 1998. Mas com o período académico, de aprendizado, estou desde 1995. São 24 anos. 

PERGUNTA - Com muitas apresentações e viagens, quais os momentos que você incluiríam entre os mais felizes da sua vida? 

RESPOSTA - Cada viagem tem seu encanto específico. A viagem à China, a Shangai, foi uma experiência extraordinária. Atravessamos a barreira ancestral do tempo. É uma cultura milenar, com uma gastronomía bem diferente da que temos na América Latina. Foi fantástica a visita ao Rio Huangpu, experimentamos a beleza do Jardim Yuyuian, a gigantesca Torre de la Perla Oriental, uma torre de telecomunicações no distrito de Pudong, um dos mais altos edificios da Ásia. Posso citar na Coréia do Sul as cidades de Yeosu e Seul. Na Costa Rica, no Pacífico, a incrível ponte sobre o Rio Tarcoles. Há uma diversidade de crocodilos que eu não imaginava. Porém, a viagem que mais causou felicidade à companhia foi a de 40 dias a Dubai, nos Emirados Árabes, cuja cultura é totalmente distinta das que conheci. Foi um choque cultural, da maneira de vestir e dos costumes às coisas grandiosas. Subi o edificio mais alto do planeta, o Burj Kalifa, que tem o elevador mais rápido. Na Ferrari World está a montanha russa mais veloz do mundo. No autódromo, o grupo quería fazer fotos com os carros e os grandes expoentes do automobilismo, e as pessoas que lá estavam formavam fila para fazer fotos conosco. Fomos ao único hotel sete estrelas do mundo, o Burj Al Arab, e ao maiorshopping center do mundo. Em pleno deserto pudemos esquiar no Parque das Neves e conhecer o parque aquático com o maior aquário do mundo, aone pela primeira vez se ouviu o nome do Paraguai na voz dos árabes em cada passo que demos pela cidade.

PERGUNTA - Há momentos difíceis, decepções e tristezas para quem vive da arte. Você teve muitos? E como conseguiu superá-los?

RESPOSTA – Sím, decepções, sobretudo por confiar em pessoas equivocadas e ao dar-lhes oportunidades que não mereciam. Muitas bailarinas alcançam um objetivo: viajar. E depois, como agradecimento, nos dão uma punhalada. É duro e doloroso quando se deposita confiança na pessoa. Mas creio que este é o jogo das mentes medíocres, com elevado complexo de inferioridade e uma desmedida ambição, que é o primeiro passo ara a traição. Para superar estas decepções viramos a página, esquecemos essas pessoas. E tudo isso me dá mais força para seguir adiante, com maior energía e maior motivação para levar o Ballet aos eventos mais importantes do mundo.

PERGUNTA - O Ballet Folklorico Iberoamericano é uma das principais representações da cultura paraguaia e latinoamericana no exterior. Além do Brasil, dos EUA e Emirados Árabes quantos países o grupo já visitou e com quais deles mais se identificou?

RESPOSTA – Somos até hoje o único elenco de dança folclórica do Paraguay que se apresentou em Dubai a convite do Emirado Árabe. Já visitamos 27 países, com apresentações em 101 cenários. Fizemos ainda 41 turnês e quatro exposições internacionais representando nosso País e com o reconhecimento dos países que visitamos. Posso citar vários deles, alguns mais de duas ou três vezes: Brasil, Chile, Espanha, França, Bélgica, Argentina, Alemanha, Bolívia, China, Japão, Venezuela, Coréia do Sul, Costa Rica, Emirados Árabes Unidos, Panamá, Honduras, Guatemala, Peru, Colômbia, Cazaquistão e os Estados Unidos da América do Norte.

PERGUNTA - É possível que o seu balé tenha inspirado outros grupos na América Latina a seguir por esse corajoso caminho de divulgação da arte latina?

RESPOSTA – Sim, somos referencia não só para grupos da América Latina e do Caribe, mas também de outros continentes irmãos. Especialmente em meu país surgem muitos e novos grupos de dança, mais de 200. Realmente, é ter coragem para difundir a arte, até porque há quem lancem pedras em vez de flores. Mas eu uso esas pedras para construir um castelo de arte e paixão. A dança é minha segunda pele, eu a carrego no sangue, no mais profundo do meu coração.

PERGUNTA - Quantas pessoas fazem parte do seu corpo de dança atualmente? E os integrantes são exclusivamente paraguaios?

RESPOSTA – O corpo de balé tem hoje 18 pessoas. Um número reduzido porque, por experiencia, prefiro poucos bons a muitos maus. Todos são exclusivamente paraguaios e de diferentes cidades e lugares: Itauguá, Luque, Ypacarai, Fernando de la Mora, San Lorenzo, Encarnación, de Assunción, do bairro Zeballos Cué – são bailarinos com o máximo de sentimento humanista. Eu dirijo o balé com conceitos sólidos de ética, profissionalismo e humanismo. Entre os nossos objetivos estão os de proporcionar aos seus integrantes as oportunidades de crescerem como artistas e como pessoas, além de viajar pelo mundo e adquirir conhecimentos que se transmitem com a experiencia.  É a universidade da arte e da cultura, muitos a valorizam em sua dimensão de importância, outros não.

PERGUNTA - Como é que sua companhia consegue se manter numa atividade que exige investimentos o tempo todo?

RESPOSTA – A arte, como toda atividade, exige não somente disponibilidade de tempo, mas também de recursos. Neste sentido contamos com o apoio dos pais. São eles o suporte na hora de adquirir os trajes de dança, até porque o guarda-roupas do balé é confeccionado em artesanato autêntico e são caros, assim como as jóias e adereços que dão o brilho singular aos bailarinos. Temos apoio das organizações que patrocinam nossas viagens e a maioria paga todas as nossas despesas.  

PERGUNTA - Além das músicas nativas e folclóricas como a polca e o chamamé, dos temas latinos como a salsa e a cumbia, você pretende presentear os brasileiros com uma apresentação de samba ou de frevo?

RESPOSTA – Sabe, muito me encantaría apresentar o maravilhoso frevo, um ritmo acelerado, alegre, contagiante. Lembro-me do carnaval de Pernambuco, com suas cores vivas e os movimentos acrobáticos dos dançarinos.

PERGUNTA - Em algum momento de sua trajetória o Ballet Iberoamericano correu o risco de encerrar suas atividades? Se correu, quais foram os motivos?

RESPOSTA -  Em momento algum pensei em sair do balé ou fechá-lo, porque é minha paixão e ela me motiva a superar-me sempre. Competir com si mesmo é mais difícil que fazê-lo contra outras pessoas. É preciso ter consciência disso para superar-se. É como eu digo aos bailarinos: é difícil atingir um objetivo e chegar ao topo. Porém, mais difícil ainda é permanecer no topo. Por isso, creio ser mais importante competir contra si mesmo e superar seus próprios recordes de superação.

PERGUNTA - Qual a emoção de representar nosso continente no Carnaval Mardi Gras, dos EUA?

RESPOSTA - Pela primeira vez o Paraguai foi selecionado e convidado a participar do Carnaval em Las Vegas (Nevada). O Mardi Grass International Carnival Bolivia une o mundo em Las Vegas. Os organizadores convidaram autoridades locais e estatais, num espaço em que os olhos do mundo puderam apreciar a riqueza cultural e folclórica de nossas tradições. Promove-se o respeito entre os países pela afirmação das diversidades de caa Nação, de cada povo. O evento foi transmitido ao vivo pela Telemundo. E aquela maravilhosa cidade, que era chamada de capital do pecado, hoje é mais conhecida como a cidade das luzes, vitrine do mundo, capital do entretenimento. E também queremos dar nossa contribuição, para que se agregue a ela o reconhecimento como “capital da cultura e do folclore” por meio do carnaval Mardi Gras.

PERGUNTA – Tem algo mais a acrescentar, alguma mensagem para a América Latina?

RESPOSTA – Uma mensagem a todos os latinoamericanos é que os grandes homens sempre enfrentam grandes desafíos e que os días mais felizes são os días que nos fazem mais sábios. E quem leva como estandarte, no alto, a bandeira da arte e da cultura do País, merece respeito, reconhecimento. Penso que poderíamos somar também a palavra admiração”, por manter a moral e a disciplina férrea de quem quer seguir adiante.